sábado, dezembro 02, 2006

O primeiro doente

Andava eu no 3º ano da faculdade quando decidi q deveria pertencer ao departamento de medicina interna. Esta seria a minha oportunidade de fazer mais pela minha aprendizagem e uma forma de passar mais tempo no hospital.
Quando me apresentei ao DrR., medico q me foi atribuido como tutor, este olhou-me de alto a baixo, pensando seguramente quanto tempo seria eu capaz de aguentar ali. " es de q ano....hum....de onde es....hum....entao deves gostar do Figo" (teria de ganhar a sua confiança atraves de muita persistência e , se fosse preciso, atraves do futebol).
Depois de me dizer qual o meu horario,entregou-me duas folhas de papel dizendo-me para fazer a historia clinica ao senhor do quarto X. E lá fui eu....cheio de medo...sem saber muito bem o q fazer...e já sem poder voltar atrás na minha decisão de estar ali presente...
Entrei no quarto, e encontrei um senhor idoso, de cabelo branco, sozinho no quarto, deitado e com uma mascara de oxigenio ("possas o senhor deve estar mesmo mal, e venho eu para aqui o chatear....")
- Olá bom dia!
- Bom dia ...caupff cauoff caufpff (bolas, mal acabei de chegar e ja provoquei um ataque de tosse ao homem.....)
- Tussa, tussa à vontade - foi a forma para tentar establecer ali alguma empatia e ganhar algum tempo.
Depois de muita conversa, e de tentar seguir à letra tudo aquilo q me tinham ensinado sobre uma historia clinica, la me fui apercebendo q estava um pouco descordenado entre as preguntas e as anotações....mas enfim la ia rabiscando o q podia e aquilo q não me tinha esquecido. Entretanto começo a fazer a exploração, e menos mal q tinha ali a folha de exploração muito bem estruturada para nao me esquecer de nada...mas mesmo assim....anotar é q era mais complicado...
Quando dou por terminada a exploração, eis q diz o Senhor M.
- Você não é de cá, pois não?- epá.....o senhor nao deve estar a gostar nada de mim...
- Adivinhe lá de onde sou?- vamos lá ver se assim há mais empatia, porque ele nao me deve achar piada nenhuma, ainda por cima estrangeiro...
- Você deve ser português...- a minha alma estava parva, pois normalmente diziam q eu era italiano, frances, catalão, canário, ou até inglês.
- Sim, sou.- respondi timidamente.
- Sabe, é q eu trabalhei muitos anos com portugueses, ia muito a Lisboa, gosto muito dos portugueses- UFFF, afinal nao era nada do q eu estava para aqui a pensar, pensei eu.
Eis q nisto, entra o Dr R.
- Então conta lá essa historia!- possas, o q?agora?assim sem mais nem menos?sem eu poder olhar pra ela outra vez? pensava eu enquanto me entravam uns calores, picores, suores e taquicardia.
Lá me desenrasquei na anamnese, antecedentes familiares e pessoais.....e o tratamento domiciliario?????----ups, pois....nao preguntei......Nunca mais te esqueças....e nunca mais esqueci. Comecei a contar a historia actual, e o Dr. R ao fim de pouco tempo percebeu q havia ali muita desordenação...e de repente de um momento para o outro, começou a fazer ao doente todas as preguntas q eu achava q nunca me ia lembrar de fazer....o q valia a experiencia e a sabedoria.....serei eu algum dia capaz?...
- Vá, não tá mau, mas tens de melhorar. Ora escreve ai o q te vou ditar!- o q?tinha voltado à escola primaria....deu-me uma folha nova, e mesmo ali, ao lado do doente,numa bancada de apoio, ditou-me uma historia q permitia localizar no tempo tudo de forma muito bem ordenada e interligada, agora tudo fazia sentido...aprendi....era assim q se aprendia....
- Vá, vens comigo ver o resto dos doentes.- despedimo-nos e lá fomos
Desse dia em diante, passava todos os dias a ver o Sr M., inclusivamente se o Dr.R ja o tinha visto nesse dia. Encontrava-o sempre sozinho. como vai? como passou a noite?como vao as cefaleias? e as pernas?e as comidas? e lá o explorava....gostava de auscultar, apesar de nunca perceber muito bem aquilo q ouvia (ao menos era ja capaz de nao por o esteto ao contario....alguns colegas eram gozados de inicio pelos médicos quando se queixavam q o esteto deles nao dava para ouvir nada.....va...o conduto auditivo tem q orientação?.....e o esteto?....ah pois é.....). Mas gostava de passar por ali....o Sr.M. fazia sempre um sorriso suave e amigavel...ja conhecia o meu ritual....respondia a tudo e explorava-o sem q ele se queixasse...ja me tinha falado na familia, mas eu nunca a tinha visto....ele era de alem.....e os filhos de cá e de alem...tinha netos sim....
Foi entao, q depois de duas semanas, e depois de saber q tinha uma doença de Horton e de ja estar recuperado, q me dirigi ao seu quarto. Ao entrar no quarto deparo-me com os dois filhos e a esposa de um deles....olá....sentia-me totalmente intimidado....nao lhes pedi q saissem....observavam-me com ar desconfiado....o Sr. M, esse recebeu-me com o mesmo ar de sempre, com o sorriso suave e amigo......é este o português disse....apesar de os olhos de mais tres pessoas, la continuei como o fazia todos os dias....como se sente?como passou a noite?tem aqui a familia e tudo hein?auscultei-o (estava sentado no cadeirao).... sabe q hoje se vai embora (sim, ele sabia)....
- Desejo-lhe entao a continuaçao de uma boa recuperaçao.
-obrigado, obrigado
- Entao adeus, bom dia!- apertei-lhe a mao para me despedir, enquanto ele me olhava sentado desde o cadeirao, com aqueles olhos traquilos e o sorriso de todos os dias.
Enquanto me girava, para sair do quarto, senti q o meu braço direito nao acompanhava o movimento do meu corpo....tinha ficado para trás, preso por duas mãos....girei-me meio confuso....era o Sr M.....olhei-o, olhou-me e disse no tom suave de sempre:
- Você é um bom homem, você é um bom homem.....
Apertei-lhe bem a mão, sorrimos e sai. Ao chegar cá fora sentia-me diferente, nunca tinha sentido aquilo....sentia-me bem...estava tranquilo....
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